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A ternura radical de Greta Coutinho

Após visitar a exposição de Greta na Casa Syla há duas semanas atrás, postei algumas fotos no Instagram do blog e rapidamente recebi a resposta muito gentil da artista. Sugeri uma entrevista, que foi aceita com prontidão. Marcamos uma ligação e conversamos por duas horas.

O resultado é esse post que parece um abraço. Greta encanta e transmite, de forma generosa, todo o afeto que recebeu de suas mulheres pela vida, e que continua espalhando por aí com tanto amor. Obrigada por nos afetar tanto, Greta. Vida longa e muito sucesso à sua arte!

Deve Ser Aqui: Greta, conta pra gente um pouco sobre a sua vida (formação, experiência, pontos marcantes).
Greta: Comecei minha trajetória profissional trabalhando na área jurídica de uma grande empresa, e acabei sendo influenciada a cursar engenharia. Estudei 4 anos na UFABC. Mas não estava satisfeita, não era aquilo. Larguei tudo e fui fazer Letras na USP. Me graduei e ainda assim sabia que queria muito fazer arte, então me matriculei no curso de Artes Plásticas da Panamericana, onde estudei por 3 anos.
Nessa fase, eu estava interessada em adquirir conhecimento técnico, aprendi muito (monotipia, desenho, pintura à óleo, etc). Durante a pandemia comecei a fazer arte abstrata, que pra mim é especial, é transcender. Mas infelizmente no Brasil o que mais vende ainda é figurativo, então comecei também a fazer estudo de anatomia. Pintura pra mim é um orgulho, e é material meditativo.

Deve Ser Aqui: Suas obras em "Entrelaçar o Azul" mostram muito do afeto e cuidado desempenhado pelo feminino. Qual é o significado e importância disso pra você e pra quem é hoje?
Greta: Fui criada por mulheres -mãe, avó, tia- com o papel do feminino muito forte no cuidado, na cumplicidade. Sou o que sou por esse cuidado. Tive uma criação muito afetiva, e essas mulheres passaram tudo o que eu tento replicar através da pincelada.
Assim busco mostrar, de uma maneira sutil, a forma como as mulheres estão conectadas, sem subestimar quem está vendo a pintura. Amo ouvir quando interpretam os meus quadros, fico maravilhada. Também incorporo alguns elementos como copo, água, jarros nas minhas composições. Pra mim a água está muito ligada ao emocional, à fluidez, correnteza. A trança como um caminho -abrir caminho, uma para as outras- e como a afetividade e a conexão, passada de mulher para mulher.
Comecei a pintar azuis ano passado, após um período nômade pela América Latina e logo após descobrir um aneurisma cerebral. Esse azul representa um pouco da melancolia que é parte da minha personalidade, e nessa época pintei a primeira tela azul composta por uma figura em posição fetal, olhando pra dentro. Descobri que sentia falta de casa, de espaço para pintar e expor. Com o diagnóstico do aneurisma tive muito medo de morrer, e comecei a pintar muito, sem parar. Nessa época estava na casa da minha mãe e passei a pintar mulheres juntas.
Depois da cirurgia comecei também a pintar autorretratos, e hoje trabalho em uma série pintando retratos também de minhas amigas. Trabalho sempre em série, mas crio temas que vão coexistindo e estão muito relacionados entre si, por isso apesar de separadas, essas séries estão sempre interligadas.
No momento estou criando uma com cadeiras, inspirada em Virginia Woolf, sobre o estigma da mulher no lar, o estigma da mulher boazinha e responsável pelo cuidar, esse que foi também imposto ao gênero.

Deve Ser Aqui: Como artista do ABC, e vivendo no ABC, como você enxerga o cenário cultural na região? E quais seriam as suas sugestões para expandir essas atividades?
Greta: Teve uma época em que saí da região pela falta de atividades culturais. Tudo acontecia em São Paulo. Mas hoje, como artista, vejo o circuito cultural de São Paulo muito mais fechado, é difícil expor e é difícil conseguir apoio.
Quando escolhi ter o meu ateliê no ABC, e voltei mais ativamente para a região, fui surpreendida pela recepção das pessoas em relação à arte. Todos são muito abertos e generosos, querem compartilhar processos, expor juntos, fazer coisas.
Quanto à agenda de entretenimento, acredito que falta divulgação, parece ser mais uma questão de comunicação do que falta de atividades em si. Hoje preciso entrar no site da Secretaria de Cultura pra saber o que está acontecendo na cidade. Muitos ainda não conhecem a Pinacoteca de São Bernardo do Campo e de São Caetano do Sul. Mas de fato, coisas acontecem no ABC, só sinto que não chega para as pessoas, ainda é meio tímido.

Deve Ser Aqui: Quais são as suas principais influências e inspirações na arte?
Greta: Além dos clássicos, acredito que o ponto inicial foi Alexsandra Levasseur vi o trabalho da artista e pensei "quero pintar desse jeito". Alexsandra faz e pinta só mulheres. Faz cerâmica e também tenta colocar objetos em suas obras, joga com as posições das mulheres. A partir daí tentei captar como transmitir o estado emocional através da composição, da posição dos corpos.
Em relação a isso, a fotografia também agregou bastante. Morei na França há um tempo atrás e especialmente naquela época tentei praticar o olhar e a fotografia. Robert Doisneau era uma referência forte.
Além disso, artistas como Jade Marra, pela pintura de pessoas e suas relações amorosas; Azuhli pelo colorido, por tirar o caráter realista e criar tons de pele que não existem; Larissa de Souza que só pinta mulheres negras, sendo também uma grande referência de pintora não realista; Vivian Maier e Manu Navas são super referências. Sobretudo, com essas artistas compartilho uma rede muito legal e generosa.
Tem também Ana Estaregui, com aulas e poesias maravilhosas. Ela faz uma intersecção entre artes visuais e poesia, criando temas de escrita através de imagens, por exemplo. Quando eu estava na faculdade de Letras, fiz estudo comparado entre literatura e cinema, buscando adaptar obras escritas para o cinema. Nesse campo, Agnès Vardas é uma artista também muito poética e que me encanta muito.

Deve Ser Aqui: Como você enxerga a relação entre arte e tecnologia hoje? Isso influencia o seu trabalho?
Greta: Sou uma pessoa muito aberta ao novo. Comecei na palavra, migrei para a foto, depois para o cinema e finalmente para o desenho e pintura. Hoje incorporo Inteligência Artificial em parte de meus processos de criação, usando a ferramenta para otimizar atividades que seriam muito longas ou até mesmo impossíveis. Nesse sentido, é muito positivo. Claro, é preciso ter discernimento do que é danoso ou feito para prejudicar, mas de maneira geral, vejo esses avanços de uma forma benéfica, somando ao processo.
Sobre a internet, também a vejo como oportunidade de maior conexão, de compartilhamento e fonte de conhecimento. Sou muito aberta a tecnologias e inovação na arte, por exemplo acredito que videoarte será mais valorizado no futuro, hoje as pessoas ainda não aceitam tão bem.

Deve Ser Aqui: Greta, o que é amor pra você?
Greta: Pra mim, amor é o afeto. É como a gente afeta o outro e como é afetado. Pode ser uma forma de carinho ou não. Sempre penso em como afeto ou sou afetada, isso em toda a minha rotina. Mas no geral, tenho sido afetada de uma maneira super boa, sigo encantada.

Última pintura de Greta, ainda sem título, 2023. öleo sobre painel, 120x120cm

Amélia é muito arte - Deve Ser Entrevista

Conheci Amélia (@naoeharte) através do vídeo do macarrão da Dilma -"Aí o que você faz? Bota pimenta do reino, aquela tiktiktik!"-, e desde então acompanho as receitas todas, a saga do café moído e recentemente comecei a ouvir Varanda, banda da qual é vocalista. Depois rolei mais pra baixo nesse feed e descobri que ela também pinta, desenha e faz colagem. Sim, artista multidisciplinar. O fato é que além de carismática e criativa, Amélia é talentosa, sensível e profunda.

Já dá pra ver que sou fã e que fiquei absurdamente feliz quando ela topou dar uma entrevista para esse site (!!!!). Eu abri o olhão aqui quando vi a mensagem e fui direto contar pro Dani.

Deve Ser Aqui: Conta pra gente sobre você. Quantos anos, onde mora, um pouquinho da sua trajetória.
Amélia: tenho vinte e três anos de vida e nasci no sol de Libra na cidade de Ubá, MG, interiorzim, apesar disso passei a maior parte da vida, até agora, em Caratinga, MG – cidade do Ziraldo, só que agora habito nem uma nem outra, e sim Juiz de Fora, MG – sou bairrista, sigo em Minas. O que eu gosto de fazer eu mostro lá naquele perfil instagrammer que vos falo – música, arte, poesia, e comida. ❤️

Deve Ser Aqui: Adoro a sua cozinha!!! Tem muita alma, organização e autenticidade no jeito que decorou. Você mora sozinha? Como foi esse processo de escolhas e decoração?
Amélia: esse é um dos elogios que eu mais gosto de receber, sabia? a dedicação da persona-designer-de-interiores reconhecida! Moro com o meu irmão mais velho e atazano muito ele quando o assunto é decoração da casa, sou mandona… Quando fiquei inevitavelmente presa em casa no processo da quarentena, comecei a obcecar com os móveis, os lugares deles, a utilidade de tudo e a falta de beleza (que podia ser resolvida), os incômodos começaram a crescer porque eu tava sendo obrigada a olhar muito pra eles. lembro que li, naquele tempo, o conto "A marca na parede" da Virginia Woolf e me senti contemplada com a divagação sobre um detalhe fora do lugar ali, na existência física duma parede qualquer. Entrei num buraco-de-tatu de decorações no Youtube, fui pintando paredes e móveis, pendurando prateleiras, comprando mil coisinhas que fariam a diferença e não eram tão caras – foi tudo muito caótico e rápido, minha cozinha não se parecia em nada com o que ela é há uns 6 meses atrás. gosto muito dela.

Deve Ser Aqui: Ainda na cozinha, vi que algumas cerâmicas são bem artesanais, lindíssimas. Foi você quem fez?
Amélia: uhhh! não fui eu, apesar de amar e ser curiosíssima sobre essa prática ceramista. a maioria das minhas pecinhas me foram presenteadas, lá no início dos meus vídeozinhos, por uma amiga ceramista lá de Caratinga, a Isabella (@tibe.ceramica), queridona! Ela me deu mó força pra seguir produzindo – só pra poder olhar a boniteza que fica quando emprato numa cerâmica artesanal, hihi.

Deve Ser Aqui: Sua vida mudou depois do vídeo do macarrão da Dilma viralizar? Como você reagiu a tudo isso?
Amélia: haha! acho que mudar não mudou tanto, quer dizer, acaba que mudou sim, a forma com que eu via essa produção, a esperança de seguir fazendo essa videografia esquisitinha, enfim, me deu mais gás… acho lindo demais que a galera acompanha e curte as gracinhas, é uma das minhas grandes alegrias de hoje em dia essa conexão internauta.

Deve Ser Aqui: Como você enxerga o poder e impacto das mídias sociais em nossas vidas?
Amélia: ih, sei nem dizer… acho que a gente já virou ciborgue há tempos, o celularzin digitante é uma extensão dos dedos. no fim a gente só quer estar perto do máximo de pessoas maneiras possível (pelo menos é o meu caso). é o que há de mais poderoso, muitos perigos etc, piração… difícil discorrer, fico com a minha primeira frase.

Deve Ser Aqui: Vi que você criou um projeto sobre a Virginia Woolf usando técnicas de colagem (dá pra achar em #queridavirgula). Poderia explicar pra gente sua relação com Virginia e a história por trás da criação das obras e desse projeto?
Amélia: oia, falei logo de Virginia ali em cima, nota-se que é uma grande obsessão. impossível explicar o que a escrita dessa mulher faz, por onde ela se espalha, passei um bom tempo lendo só Virginia há uns dois anos atrás porque ela mexia demais comigo, chorava e chorava lendo qualquer linha sobre, sei lá, uma flor. ela descreve o sentimento por trás de muita coisa com precisão. descobri essas cartas de amor entre ela e a Vita Sackville-West e foi num momento de muita descoberta e saudade (novamente na reclusão pandemia, parece que tudo aconteceu na pandemia), conversaram demais comigo, comecei a tentar traduzir alguns trechos e colocar alguma informação visual ali, pra tentar entender também o meu próprio processo com o que elas diziam, a carência humana, muita coisa kkkk. Virginia foi importante demais, eu amo as colagens que saíram disso!

Deve Ser Aqui: Estou viciado no single "Gostei" da banda Varanda. Como os integrantes da banda se conheceram e quais as principais influências de vocês?
Amélia: ah! fico feliz! eu entrei na banda há pouco tempo, os meninos já se conheciam e tocavam juntos, entrei numa substituição de vocalistas lá em meados de setembro, meio no susto haha. desde então têm sido uma alegria, curto muito o som, a energia e a doação da música da Varanda, admiro os meus queridos amigos Mário, Bê e Augusto demais da conta! a gente se identifica muito com a música mineira, esse sentimento todo do Clube da Esquina, a psicodelia setentista também nos é muito cara… mas a gente se anima e se alimenta muito com o que tá rolando hoje em dia, com a galera aqui de JF (Legrand, Baapz, André Medeiros Lanches [da qual eu também faço parte hihi], Tata Chama & as Inflamáveis, Laura Jannuzzi) e a cena da música no geral, tem muita gente incrível que somos fãs: Laura Lavieri, Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo, Pelados, Ana Frango Elétrico, Jadsa, Yma, Ava Rocha, Boogarins, Oruã, Gabriel Ventura, Maglore, Baleia. uma lista infinita que não conseguirei acabar.

Ping pong
Uma música: strange phenomena, da kate bush ⭐️
Uma série: atualmente só tenho olhos pra The Bear
Um filme: in the mood for love, que está fresco
Uma frase pra Amélia de 15 anos: calma lá coração, dê um rolê.