Pequena ponderação sobre a Árvore de Natal
Dudu escreveu esse texto para o período natalino, mas a vida atropelou e só consegui postar agora. Culpa minha. Entretanto, a postagem encaixou no 7 de janeiro desse ano, o domingo depois da Epifania, que é a data recomendada pelo Vaticano para desmontar a árvore de Natal. Olha só como estamos religiosos. Boa leitura!
No adorável texto "Como aprendi o português", o latinista e tradutor húngaro Paulo Rónai — que por causa da Guerra radicou-se no Brasil — explica que, enquanto aprendia nosso idioma, as palavras que o atrapalhavam mais eram as corriqueiras: "uma das palavras brasileiras mais difíceis de traduzir e encaixar num verso húngaro era dezembro. O [húngaro] december, etimologicamente idêntico, mas que evocava noções de gelo, neve e miséria, não poderia sugerir a nenhum leitor húngaro a imagem de um Natal carioca, tórrido e abafado".
De fato, o nosso Natal é climaticamente oposto ao europeu e, no entanto, os nossos símbolos festivos permanecem mormente europeus. Nos últimos dias, chamou-me a atenção uma campanha natalina promovida por uma empresa de sabonete que buscava abrasileirar uma tradição: em vez de um pinheiro, colocaram uma árvore que suponho ser típica daqui, e repleta de cajus, flores e vitórias-régias boiando n'água.
Sem dúvida, a intenção foi a melhor possível, mas, apesar do esforço, é impossível nativizar completamente o símbolo: não importa que espécie de árvore se use, a própria concepção e ideia de uma Árvore de Natal, com sua decoração vistosa e uma estrela encarapitada, segue sendo um símbolo tipicamente europeu, cuja invenção se atribui ao monge beneditino São Bonifácio. Também desconfio que, insensíveis aos apelos da empresa de sabonete, a maior parte dos lares católicos brasileiros continuará a montar uma árvore de aspecto bem europeu, em forma de pinheiro, mas de plástico, talvez salpicada com algodão para lembrar a neve que não temos, com fios de luzinhas piscando assíncronas e bolinhas de Natal. Evidentemente, a Árvore de Natal é só um inofensivo legado europeu: não é, por exemplo, tão importante quanto a prensa de tipos móveis, e nem de longe tão perniciosa quanto os mais infandos reflexos do colonialismo.
Lembro-me que, ao falar sobre estrangeirismos no idioma, um antigo professor de linguística disse que quando a palavra estrangeira coloca a fitinha do Senhor do Bonfim e um par de Havaianas, ela passa a ser brasileira: o mesmo acontece com a Árvore de Natal. Ela é inegavelmente europeia, mas só o fato de estar enfiada no canto de uma sala enquanto os convivas da ceia bebem cerveja e refrigerante gelados e não um wassail fervendo mostra que a Árvore de Natal já amarrou sua fitinha, está bem à vontade de Havaianas e não precisa ser repaginada, por ora.
Talvez você goste da ideia de uma árvore mais brasileira no nosso tórrido Natal. Ou, se você for como eu, é possível que não ligue muito para isso e não tenha nem sequer uma árvore de Natal montada, quer brasileira, quer europeia. Quanto à empresa, a campanha pode até encher os olhos, mas tenho quase certeza de que ninguém de lá está muito aí para isso: para eles, pouco importa que árvore você tem na sua sala, desde que compre muito sabonete no Natal.